O streaming que quer ser conhecido por todos os católicos do país

Hoje já existem algumas possibilidades para quem deseja ir além da oferta de Netflix, Amazon Prime e outras marcas. O amadurecimento do streaming de entretenimento abriu espaço para ideias originais em meio às potências deste mercado. No Brasil, umas dessas iniciativas é a Lumine, plataforma que aposta em conteúdo católico e mira num nicho de público numeroso.

Com dois anos de história, a empresa baseada em Porto Alegre sugere que o negócio já é sustentável. A Lumine não abre números sobre base de assinantes, mas diz que está ganhando corpo e almeja crescimento de 150% em 2022.

O catálogo está repleto de obras documentais ou de ficção sobre personalidades cristãs, de São Francisco ao papa João Paulo II. Mas o diferencial são as produções originais, com tratamento estético de cinema. Destaque para lançamentos recentes sobre a vida do padre José de Anchieta (O Apóstolo do Brasil) e para uma produção que debate o sentido da vida (Deus: A Procura). Mas quem se atém só a esse cartão de visitas católico pode não reparar que a plataforma conta com um vasto acervo de clássicos do cinema sem teor religioso — com filmes de Hitchcock, Kurosawa, Chaplin e outros.

Matheus Bazzo é o fundador da produtora, que atualmente conta com cerca de 30 colaboradores fixos e tem meta de avançar no mercado internacional. O jovem executivo de 31 anos também é uma espécie de rosto do projeto, como anfitrião de produções como Efeito Lumine.

O empreendedor falou a Oeste sobre os desafios e as oportunidades de lançar um streaming de viés cristão no maior país católico do mundo.

1) Como começou esse projeto de streaming com viés católico?

A Lumine começou na metade de 2019 a partir de uma inquietação que eu tinha há muito tempo. Meu primeiro projeto artístico foi na produção do filme O Jardim das Aflições, que conta a história das ideias do professor Olavo de Carvalho. E  criei a primeira empreitada cultural brasileira fora das ideias marxistas. Não havia nenhuma produção cinematográfica, não havia nada que fugisse desse escopo de ideias. E, mesmo que houvesse, estava bastante marginalizado, não fazia parte do debate político. Foi minha primeira experiência com produção cultural, e aquela inquietação permaneceu ali por um bom tempo. No meio do caminho, entre O Jardim das Aflições e a Lumine surgiu uma outra empresa que criei, chamada Minha Biblioteca Católica, que é um clube de assinatura de livros, voltado ao público católico. O catolicismo está no centro dos meus interesses pessoais. Essa empresa surge com a intenção de levar o melhor da literatura católica aos brasileiros, com edição de livros mais refinados e tal. E a Lumine acaba surgindo como uma espécie de síntese dessas duas iniciativas. Produção de filmes e arte, com modelo de assinatura, com acesso a um catálogo para o público católico. Primordialmente um conteúdo católico, mas não se resume somente à temática católica.

2) Vocês têm algum tipo de levantamento para saber quem é o público de vocês? 

Sim, isso é uma coisa que a gente percebeu no ano passado, o quão importante é a gente conversar com as pessoas. Desde então a gente tem feito muita pesquisa, e pesquisa qualitativa, de conversar com os assinantes por videoconferência. A gente quer saber o que eles pensam, o que sentem, qual a percepção deles. Nosso público é majoritariamente da faixa de 25 a 35 anos. E de 35 a 45 tem o segundo grande bloco. Muita gente pensa, quando vê as nossas empresas: ‘Ah, deve ser um público de mais idade’. Não, pelo contrário. É um público mais jovem. Adultos que estão formando suas famílias e tal.

A gente tem uma visão que é a seguinte: a gente quer ser conhecido por todos os católicos do Brasil.

3) Vocês contam com um bom número de produções originais. Vocês entenderam que estrategicamente era um movimento de posicionamento necessário?

Estrategicamente, eu não diria. As nossas ações são pautadas em interesse em fazer coisas bonitas e belas, produzir arte. Nós não temos muitas metas quantitativas. É comum as empresas terem metas quantitativas, queremos ser a maior tal, o primeiro ‘x’. A gente tem zero metas quantitativas. Nossas metas são todas qualitativas. Ou seja, a gente quer fazer um belíssimo filme de ficção, que as pessoas vão ver e achar aquilo incrível, e vai levar ela a uma reflexão e gerar um impacto estético. É um pouco do nosso espírito. O importante é ter um filme muito bom, uma história muito bem contada. O resto é consequência disso. A ideia de fazer um filme de ficção… primeiro, a gente sempre quis fazer. Era uma espécie de sonho quase adolescente. A gente sabe que o cinema é uma ferramenta de expressão artística maravilhosa. Foi uma consequência natural dos nossos anseios. Do ponto de vista estratégico, nem sei se é a melhor coisa a se fazer, porque é caro, é um desafio imenso. É um risco bem grande, mas é um risco que a gente quer, porque é o que a gente ama fazer. Pouca estratégia, mas muito coração.

4) Vocês estão satisfeitos com o modo como estão sendo retratados pela imprensa e pelo mercado, como a Netflix católica?

A gente sempre teve uma recepção muito boa do mercado e até da grande mídia. Qualquer pessoa que abrir nosso catálogo, mesmo que não seja católica, e ver os filmes que a gente coloca ali vai reconhecer que por trás da nossa curadoria tem uma preocupação muito grande com filmes bons e importantes, independentemente da temática ser católica ou não. Acho que é natural fazerem a associação de Netflix católico, porque a gente trata desse tema, é um tema central. A gente oferece conteúdo católico, quem for católico vai encontrar respaldo ali, de muito conteúdo de qualidade para se aprofundar, mas a gente vai além disso e oferece coisas que a gente percebe que tem um valor universal. A gente sabe que é uma coisa meio esquisita para algumas pessoas. Ao mesmo tempo ser católico e ter também Hitchcock, Tarkovsky, Kurosawa, o que vocês estão fazendo? A gente está tentando transformar esses valores que a gente acredita em uma empresa. O estranhamento é até bom, gera oportunidade de explicar e a gente gosta.

5) Em termos de alcance de consumidores, até onde vocês projetam alcançar, pensando que a gente está num país de maioria católica?

A gente não pensa: ‘Ah, vamos ter um milhão de assinantes’. Vamos fazer um filme excelente, que quase todos os católicos vejam. A gente tem uma visão que é a seguinte: a gente quer ser conhecido por todos os católicos do Brasil, mas quantos assinantes eu vou ter? Não sei. E a gente quer ser reconhecido no mundo inteiro como uma produtora de filmes excepcional. Não a melhor do mundo, nem a melhor do Brasil. Mas a gente quer ter esse reconhecimento. ‘Ah, tem uns caras lá que são católicos e fazem uns filmes impressionantes, que eu não imaginava que poderiam existir’. É uma questão de qualidade mesmo. A gente sabe que é um negócio que chega a 100 mil, 200 mil assinantes, talvez mais, a gente tem ideia de que isso pode acontecer. Mas não fica ali no nosso Excel, um gráfico, do tipo: estamos aqui e queremos chegar lá. A gente não se importa tanto com isso.


Fonte: Revista Oeste


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