PEC dos Militares avança no Senado com embates entre oposição e governo

Prestes a ser apreciada pelo plenário do Senado nas próximas semanas, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 42/2023, conhecida como PEC dos Militares, tornou-se mais um ponto de embate entre governo e oposição no Congresso.

Enviado ao Legislativo pelo Executivo, a autoria da PEC pertence ao líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). A proposta prevê que, se algum membro das Forças Armadas se candidatar a algum cargo eletivo sem completar 35 anos de atividade, vai automaticamente para a reserva não remunerada depois de registrar sua candidatura.

Atualmente, a legislação prevê que o militar com mais de dez anos de serviço e desejar se candidatar, vai para uma remuneração conhecida como “agregação” temporariamente. Caso ele perca a eleição, pode retornar a ativa. Contudo, se ele concorrer ao escrutínio e conseguir um cargo eletivo, vai para a reserva remunerada — quando o profissional continua recebendo os proventos da União.

A PEC dos Militares não atinge membros de forças auxiliares estaduais, como a Polícia Militar ou Corpo de Bombeiros. Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em 29 de novembro de 2023, o texto segue para a quarta sessão de discussão no plenário do Senado nesta semana.

Após cinco sessões, já é possível votar a matéria em primeiro turno. Se aprovada, o plenário realizará mais três sessões de discussão para votar o segundo turno do texto. Depois, a PEC segue para a Câmara dos Deputados.

Conforme Wagner, a PEC tem o objetivo de garantir a neutralidade política das Forças Armadas. Em clara referência a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, inicialmente, o texto estabelecia a saída imediata de militares que integravam o primeiro escalão do governo para a reserva. Contudo, a sugestão foi retirada após Wagner (PT-BA), considerá-la “discriminatória”.

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Relator da proposta, o senador Jorge Kajuru (PSB-GO) argumentou em seu parecer que a nova regra permitirá a “completa confiabilidade” no juramento dos agentes das Forças Armadas à pátria. “Para manter a plenitude da segurança externa do país, é fundamental que os militares estejam plenamente focados em sua missão constitucional, sem desviarem seu foco para as atividades políticas, que devem ser deixadas a outras categorias que não tenham a nobre e relevante missão de promover a defesa nacional”, argumentou o parlamentar no parecer.

Críticas da oposição à PEC dos Militares

General da reserva e ex-presidente da República, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) criticou a PEC e disse que a matéria torna os militares “cidadãos de segunda categoria”.

“Estamos afastando a possibilidade de esse grupo participar da vida pública, e aí há um desconhecimento tanto da história como da profissão militar”, declarou. Mourão negou que a possibilidade de o militar se candidatar gere a “penetração da política nos quartéis”.

“O número de militares da ativa que se candidata é ínfimo”, continuou. “Na eleição de 2022, no Exército, nós tivemos 32 candidatos militares da ativa: 22 sargentos e 10 oficiais; nenhum foi eleito. A Marinha, ao longo dos últimos 20 anos, desde a eleição de 2002, teve um total de 238 candidatos da ativa, com apenas um deles sendo eleito; ou seja, é um universo ínfimo.”

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Senador pelo Estado do Rio Grande do Sul, Styvenson Valentim (Podemos) disse concordar com as declarações de Mourão. “Quem escolhe quem vai sentar nestas cadeiras é o povo brasileiro, como foi dito aqui”, declarou ao longo da discussão. “Isso tira do cidadão brasileiro a capacidade de escolha da democracia, no momento que a gente vive, de evolução.”

O senador Eduardo Girão (Novo-CE) classificou o conteúdo da PEC como uma “animosidade desnecessária para quem realmente quer pacificar esta nação”. “Vamos colocar cidadãos de segunda classe, de terceira classe, porque estão desempenhando uma atividade, punindo-os”, disse. “No meu modo de entender, isso não é saudável porque a bola da próxima vez será a Polícia Militar. A gente sabe o que está acontecendo.”

A PEC é constitucional?

Crítico da proposta, Mourão fez uma consulta ao jurista e professor de Direito Ives Gandra Martins. O jurista escreveu um parecer de cinco páginas para enviar ao senador. Oeste teve acesso ao documento.

No parecer, Martins afirma que a PEC “pretende eliminar o direito de pleno exercício da cidadania e de direitos políticos” dos militares das Forças Armadas. Além disso, diz que a proposta é inconstitucional.

“Tornar o militar, enquanto na ativa, um cidadão amputado na sua ampla cidadania, é macular drasticamente o direito maior que os cidadãos tem numa real democracia, razão pela qual entendo que a PEC 42/23 é de manifesta inconstitucionalidade”, argumentou.

Para Martins, a proposta diminui “imensamente” os direitos de cidadania do militar, o que seria incompatível com o Estado Democrático de Direito. “Os direitos e garantias fundamentais podem ser acrescidos, mas não há possibilidade constitucional de reduzi-los sem que seja ferido drasticamente o direito do indivíduo em uma democracia”, escreveu o jurista.

Martins ainda continuou: “Os militares não são cidadãos de segunda categoria por terem escolhido a carreira das armas. Não podem ser desconsiderados pela sociedade como párias inúteis no exercício da cidadania, sem direito de concorrer a cargos públicos para servir o país de outra forma, a não ser com perda de direitos adquiridos em sua carreira militar”.

Professor da Universidade de São Paulo (USP), Rubens Beçak, que é mestre e doutor em Direito Constitucional, acredita que a PEC seja constitucional, mas afirma que o fato de o Brasil caminhar para “tirar direitos” de qualquer grupo da sociedade “não é bom para a democracia”.

“A gente até entende as razões por que isso veio”, contou Beçak a Oeste. “Houve uma excessiva participação de militares no governo Bolsonaro. O governo Lula, que é um governo completamente diferente daquele, entende que houve um sobrepujar de funções militares, que passaram a atuar mais politicamente. Mas eu entendo que isso [PEC] não é bom.”

Conforme o especialista em Direito Constitucional, a PEC dos Militares “não contribui com a progressão democrática”. “Até 1988, o grande debate era sobre dar o direito de voto a quem não tinha. Analfabetos não votavam, uma série de pessoas que tinham condições diminuídas, como os índios, não votavam”, disse.

“Tratamos de mudar isso ao longo do tempo”, continuou Beçak. “Isso vale para as duas facetas: votar e ser votado, ou seja, quem pode se candidatar. Então, entendo que tirar direitos colocando restrições severas aos militares, realmente os coloca em uma posição de diminuídos nesse fator. Isso não é democrático.”

Senador acredita que PEC dos Militares não será aprovada em plenário

Apesar de a PEC ter sido aprovada pela CCJ, o senador Marcos Rogério (PL-RO) acredita que o texto “não vai adiante”, pois não foi “bem recebido” pelo Senado.

“A tendência é ela ou ser retirada [de tramitação] pelo próprio autor, ou ser rejeitada pelo conjunto dos senadores”, declarou a Oeste. “Isso em razão do clima que a gente sente dentro do Senado. Ela não foi bem recebida, não só por quem é militar, mas os senadores de modo em geral tem se posicionado contra. Até o relator dela deu declarações no sentido de que de repente declinaria da relatoria.”

Caso a PEC seja aprovada em dois turnos pelo plenário do Senado, a matéria segue para a Câmara. Contudo, o deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS) acredita que o texto não terá tanta celeridade na Casa Baixa.

“Essa PEC possui claro tom de perseguição aos militares”, afirmou a Oeste. “Além de ser flagrantemente inconstitucional, porque retira direitos e garantias fundamentais de milhares de cidadãos que optaram pela carreira militar, ela os coloca numa condição de brasileiros de segunda categoria. Absurdo que não contará com o meu voto. Não há certeza, por parte do governo Lula, quanto a terem ou não os 308 votos necessários. Por isso não acredito que essa matéria siga para o plenário ainda neste primeiro semestre.”

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Fonte: Revista Oeste


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