Jordan Peterson e o problema central de nossa geração

Jordan Peterson, no último dia 18, pousou no Brasil, pela primeira vez, a fim de palestrar no Espaço Unimed, na grande São Paulo. Em sua palestra, o psiquiatra canadense tocou nos temas centrais de seu novo livro We Who Wrestle with God (Em tradução livre, Nós que Lutamos com Deus), que será lançado, segundo a Amazon, em 19 de novembro deste ano. Sua palestra não tratou diretamente da temática da desatenção absoluta dos homens contemporâneos, mas, como tentarei mostrar, ela está no alicerce do problema que ele denunciou e parece ser um dos temas da reflexão em seu novo livro. Seus livros costumam ser, assim podemos resumir, uma análise psicológica e filosófica da decadência moral do homem, e, para refletir sobre isso nessa nova obra a ser lançada, ele partirá do livro de Gênesis, mais especificamente da trama de Caim e Abel (Gênesis 4, 8-16).

Peterson é hoje, de longe, o maior pensador público antiprogressista. Não é fácil rotulá-lo, como as mentes tacanhas normalmente fazem logo ao vê-lo, colocando-o como extrema direita ou conservador; pessoalmente, mal consigo chamá-lo assim, pois sua verve reflexiva vai muito além da política enquadrada que gostamos de ostentar. E, cá entre nós, para criticar as esquizofrenias progressistas e os totalitarismos comunistas, não necessariamente você necessita ser um conservador, basta ser sensato em um nível básico. Fato é que Peterson, desde seu retorno do longo tratamento contra a depressão, vem se aproximando do cristianismo via reflexão filosófica sobre o simbolismo judaico-cristão e por meio de pesquisa literária sobre a profundidade das mensagens bíblicas na organização da psique sadia do homem e estruturação moral do Ocidente. Tal caminho já foi trilhado por muitos intelectuais convertidos ao cristianismo, de Santo Agostinho a G. K. Chesterton, de C. S. Lewis a Edith Stein. Há uma lógica profundamente estruturada no simbolismo cristão que arrasta o homem a um caminho não só de afirmação da dignidade pessoal, mas também de redenção imanente e cura espiritual transcendente. Jordan Peterson está descortinando tal emaranhado submerso em nossa cultura secularista e forçosamente anti-Deus.

Peterson esclareceu em sua palestra que existem três problemas no Ocidente atual que podemos acessar de forma profunda, por meio do relato bíblico de Caim e Abel. A primeira refere-se ao problema do ressentimento, segundo Jordan Peterson, diante das dificuldades da existência, tendemos a mascarar nossas culpas, abandonar esforços pessoais de solucioná-las e, por fim, nos escondermos atrás de uma narrativa confortável de vítima a fim de justificarmos nossas rapinas e atalhos imorais ante tais problemas; o fato de Deus não ter se atentado à oferta de Caim o faz odiar Abel, a atenção de Deus a Abel é vista então como preferência de Deus pelo irmão do homicida (Gênesis 4, 4-5).

Depois há o problema da rebelião contra o fato, somos seres racionais, capazes de perceber e, assertivamente, dizer o que é real ou não. Quando deliberadamente abandonamos tal capacidade ímpar de nossa espécie, não “cancelamos a realidade”, apenas mascaramos suas consequências e tentamos forçar a realidade à forma ideológica que adotamos como verdade; Caim tenta adequar o ato homicida à sua vida mentindo a si mesmo e a outros em favor do erro moral que ele adotou como aceitável, isto é, matar o irmão por inveja e ressentimento.

Por fim, o problema da covardia, este refere-se àquilo que nos impede de dizer a verdade ante uma pressão, seja ela da consciência, do criador, ou de terceiros; e, ao negarmos a verdade, acabamos nos submetendo a narrativas e distorções em nome de uma agenda determinada, mantendo a todo custo a ilusão construída em torno do meu fracasso como homem. A única redenção possível desse lamaçal seria dizer a verdade, afirmá-la a todo custo, mesmo que haja punições no final da linha; diante de Deus, Caim negou-se a dizer a verdade como subterfúgio de sua imoralidade assassina: “Onde está Abel, seu irmão?”, perguntou Deus, ao que responde Abel: “Não sei; sou eu o guardador do meu irmão?” (Gênesis 4, 9).

Mas voltemos à reflexão inicial sobre a desatenção. Se reparamos bem, esses problemas são tão antigos quanto Caim e Abel, ou se quiserem, tão antigos quanto Abraão e Moisés. O começo de tudo, creio, está em nossa incapacidade acentuada de nos concentrarmos em processos virtuosos enquanto nos abandonamos em facilidades e vícios reconfortantes. O ressentimento só nasce naqueles incapazes de notarem que a realidade não necessariamente tem que ser justa com nossos egos e desígnios, o cosmos não é uma agenda de satisfação pessoal para o Pedro, e conforme as múltiplas ações de terceiros, as causalidades da vida, tempo, clima, caos, eventualidades e minhas escolhas mais ou menos assertivas se entrecruzam e formam a sopa de nossa realidade, situações são geradas, e é a partir daí, da forma como eu lido com elas, que esses aspectos farão de mim um homem mais ou menos bom ou ajustado E, para bem agir, é preciso estar atento e saber como pisar, falar e escolher, nada disso é possível para uma mente dopada de distrações constantes e estupidificantes.

Rebelar-se contra situações, ou florear os fatos para torná-los mais aceitáveis, por sua vez, já é o passo seguinte daqueles que fracassaram em focar sua mente em busca de uma solução viável. É mais custoso aceitar a realidade, desculpar-se pelas inevitáveis falhas e vencer sua falta de foco, do que criar uma realidade paralela a fim de justificar nossos erros, mas, na esteira dos entorpecidos, mentir se torna comum e fácil, tendo sempre à frente uma justificativa pré-assada ou um culpado no ponto para expiar as nossas inaptidões mais íntimas.

Por fim, depois de chafurdar toda a lama possível do chiqueiro da ilusão consentida, o alienado se vê num dilema: aceitar que falhou desde o início por não prestar atenção nas conjunturas da realidade e nas escolhas viáveis e eticamente possíveis, ou dizer a verdade e expurgar de sua vida o demônio do comodismo mentiroso. “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8, 32) ‒ STF, acredite, não há aqui nenhuma propaganda subconsciente para Bolsonaro.

É verdade que homens maus, muitas vezes, são ardilosamente concentrados nas maldades que produzem, mas, se vocês têm medo deles, ficariam horrorizados ante o que os homens comuns são capazes de fazer para justificar suas falhas morais. Parafraseando Jordan Peterson, não deveriam ser os poderosos a nos assustar, mas os fracos que fazem de tudo para alcançarem seus espúrios objetivos. Nem sempre o homem é decididamente mau. Um engenheiro resoluto ao estilo do Cérebro no desenho Pink e o Cérebro, às vezes, é mau apenas para maquiar uma falha moral que poderia ter sido evitada caso não tivesse se afundado em dispersões viciosas, ou ainda redimida, se tivesse a hombridade de assumir sua culpa e pagar pelas consequências de suas ações.

É claro que ao homem é dado ao lazer, à distração consentida em momentos adequados, por isso este ensaio não é um tratado chucro contra o divertimento. O problema real é que formamos na contemporaneidade um exército de inaptos constantes, pessoas inabaláveis na arte da vagabundagem pessoal e civilizacional. Aliás, sabe o que Deus diz a Caim após descoberto o homicídio? “E, agora, maldito és tu desde a terra […]. Quando lavrares a terra, não te dará mais a sua força; fugitivo e vagabundo serás na terra”. (Gênesis 4, 11-12).

A inaptidão não se dá só pela mera incompetência, como muitos pensam, mas pela incapacidade pura e simples de foco, e aqui jaz o problema em sua forma embrionária. O Ocidente perde sua alma ética, suas tradições e seus princípios porque inicialmente os indivíduos decidiram que o conforto viciante é o bem a ser resguardado nos dias atuais, afinal, a batalha por valores abstratos custa muito à geração que desce do segundo andar da empresa num escorregador para não enfrentar os cansativos degraus de uma escada ou a demora insuportável de um elevador, que chora confusa a sua identidade de gênero ao olhar sua genitália no banho. A guerra por valores corretos custa tempo e, não raro, a vida de muitos. Se não conseguimos convencer um adolescente a desligar seu PS5 para tomar banho, ou seu smartphone para estudar, você imaginaria ver tais jovens desembarcando novamente de navios metralhados em costas ermas a fim de derrotar tiranos além-mar? Parece exagero não é… Em 1939 também…

A luta da qual Jordan Peterson tratou em sua palestra, no entanto, está numa dimensão profunda de nossas lutas internas. E uma das capacidades mais louváveis no canadense é conseguir relacionar os atos, virtudes e defeitos mais cotidianos e citadinos a uma dimensão mais ampla e civilizacional. É assim que conseguimos notar, a partir de suas obras e falas, que, muitas vezes, perdemos batalhas importantes na defesa de nossas liberdades e culturas no Ocidente porque nossos combatentes resolveram passar intermináveis horas diárias no Instagram ou semanas a fio maratonando séries na Netflix, dourando vícios e matando diuturnamente capacidades maravilhosas em troca de mais um pixel de serotonina digital.

Repito, eu não tenho medo dos conscientemente maus. Deles, eu já espero o golpe. Eu tenho medo é dos homens conscientemente distraídos, dispostos a esconder o fedor de suas falhas a todo custo.

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Fonte: Revista Oeste


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