A outra volta do parafuso

O americano Henry James é autor do livro A outra volta do parafuso, história de uma professora que vai morar nos arredores de Londres para trabalhar de governanta. Seu patrão é tio e tutor de duas crianças órfãs. A casa é assombrada pela alma de antigos criados. A jovem professora pretende resolver o mistério e vencer o silêncio imposto pela diferença de classe social entre ela e seus patrõezinhos, os alunos. A edição brasileira tem tradução de Paulo Henriques Brito, uma garantia adicional de qualidade.

Este romance vem a calhar para iluminar a crise de candidatos por que passa o Brasil, também um país assombrado. A galera medonha, como a designou certa vez o jornalista Augusto Nunes, aliás, filho de professora, espelha, sim, os eleitores, e precisa apresentar um programa para salvar a educação brasileira. Mas virá deles a proposta?

Filhos de professores não querem ser professores.Filhos de políticos querem a profissão dos pais. Temos até dinastias consolidadas Brasil afora no segundo campo. É um indicador interessante. Temos famílias de advogados, de juízes, de empresários, mas não temos de professores.

As famílias sem candidatos estão esperando para saber em quem votar. Por isso, os eleitores devem tornar-se leitores antes de ir às urnas. E ver bem o que os candidatos fizeram, não os que eles dizem que vão fazer. Olhar o passado é sempre um bom começo para avaliar se no presente eles merecem crédito.

Devido à pandemia, a Saúde será uma grande bandeira desfraldada no céu da pátria nesse instante. Segurança também. Mas a referência solar deve ser a Educação. Vamos nos fixar no caso dos professores, um viés importantíssimo. Vejamos por quê.

O papel dos mestres

Professor é um ofício como outro, com a diferença de que, sem ele, ninguém exerceria outro… Médicos, engenheiros, advogados, sacerdotes, o Papa, os reis, os governantes, os parlamentares, enfim todos foram alunos de professores.

Os professores foram também os primeiros doutores e por isso foram convidados a ensinar o que sabiam quando surgiram as primeiras universidades, em geral à sombra da Igreja e das ordens religiosas. Talvez seja por isso que permaneça uma aura sacerdotal no ato de ensinar.

Houve um tempo em que em nosso país as grandes estrelas do sistema escolar no ensino eram as professoras normalistas e os padres professores. Quem primeiramente cuidou do ensino no Brasil foram a Igreja e as ordens religiosas. Cuidavam bem, é só olhar os resultados. Jesuítas, maristas, franciscanos e de outras ordens religiosas ou de outras confissões religiosas rivalizavam em prestígio com instituições de prestígio como o famoso Colégio Pedro II.

O português dos candidatos é um caso à parte. Em qualquer instituição, o ensino de língua portuguesa é estratégico. É com esta disciplina que são ensinadas todas as outras. Em minhas diatribes contra o assassinato do português a tecladas, algumas inconformidades das mais insolentes vêm às vezes de pessoas cultas e esclarecidas, se bem que não o suficiente sobre temas específicos, como o do sistema do português. Cada língua tem seu sistema.

Fenômenos espantosos, de que são exemplos antiga ameaça de que “nois pega o peixe” era o certo e a recente do “todes”, “x” e “@” para designar o gênero, culminando com as enxúndias de estilo do tipo “saúdo todos e todas”, são pontas de um iceberg gigantesco que se move nas camadas profundas, como se depreende da leitura de textos, da consulta a livros e, para minha sorte, a colegas, alunos, pares ou confrades igualmente perplexos.

Precisamos abrir novos caminhos, reformar nosso ensino, inovar, como outrora fizeram outros grandes brasileiros. Vou ilustrar com um episódio que me foi contado pelo livreiro José Ghignone. Victor Civita, fundador da Editora Abril, queria vender música clássica nas bancas, como vendia revistas. E teve o seguinte diálogo com o diretor jurídico da empresa: “Não podemos vender nossa coleção de fascículos de música clássica nas bancas?”, ele perguntou. “Não, a lei proíbe”. “Mas o senhor é pago para dizer como devemos fazer para que possamos vender nossos produtos sem que a lei seja descumprida”.

Nascia ali a coleção que tantos ainda têm em casa ou encontram em museus, bibliotecas e em outras instituições culturais. Milhões de brasileiros passaram a ouvir Beethoven, Bach, Mozart, Vivaldi etc. por causa da seguinte pergunta que o empresário fez a seu consultor: “E de graça pode?”. “De graça, pode”, ainda vacilou o assessor jurídico na resposta. “Então, vamos cobrar os fascículos, feitos por profissionais, e encartar de graça os discos”.

A coleção foi um sucesso, assim como os Imortais da Literatura Universal fizeram chegar a quase meio milhão de pessoas as obras referenciais de Dostoiévski, Manzoni, Goethe, Balzac, Tolstói etc. Muito mais tarde, a revista CARAS faria isso com cedes, talheres, louças etc.

A escola brasileira receberia da imprensa, sobretudo a partir dos anos 60 e 70, as décadas que mudaram tudo no Brasil, uma poderosa ajuda nos “deveres para casa”, com livros, discos, enciclopédias, guias, manuais, mapas etc., suprindo as bibliotecas, em geral tão pobres de acervo. A família brasileira tinha o que ler e os produtos trazidos da banca eram compartilhados em casa e na escola.

A arte de ensinar

As bancas não teriam clientes se não houvesse boas escolas e bons professores. Mas professor é para quem pode, não é para quem quer. Em todas as profissões é assim. Os professores também tiveram professores, mas eles não são autorizados a ensinar o que não sabem. Todos sabemos o resultado obtido por quem exerce ilegalmente a medicina. Também não ignoramos os prédios que desabam porque erguidos sem o saber dos engenheiros. E nossas prisões estão lotadas de encarcerados que advogados não conseguem libertar. Talvez tenha faltado educação. Não apenas aos clientes, mas também a seus defensores.

Na maioria das profissões tem sido assim. Escolas e universidades vêm despejando no Brasil formandos diplomados, mas cada vez menos qualificados. São quase apedeutas, pouco estudaram e não leem nada. Em quem votam esses eleitores que não são leitores? Em quem votam os professores e seus alunos?

A respostam virá das urnas e o mundo inteiro está de olho em nós. (fim)


Fonte: Revista Oeste


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