UFMS é condenada a indenizar servidora por intolerância religiosa

Quanto problema a simples citação de uma passagem bíblica pode provocar? No caso da servidora pública Waleska Mendonza, a referência ao Evangelho lhe imergiu em um conflito que perdurou mais de 14 anos e que só teve fim em agosto de 2023, depois de uma decisão do Tribunal Federal da 3ª Região (TRF3) dar ganho de causa à sua ação contra a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) por intolerância religiosa.

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O início do problema

O tensionamento das relações de Waleska com outros membros e autoridades da universidade começou em 2009, por fato aparentemente banal.

Na época, Waleska ocupava o cargo de assistente acadêmica, uma função de confiança, e inseria um versículo bíblico nos comunicados internos que elaborava.

Pertencente à Igreja Adventista do Sétimo Dia, via na singela atitude uma forma de disseminar a Palavra de Deus.

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Muitos de seus colegas, no entanto, desaprovavam a conduta e passaram a fazer queixas à diretora da instituição para que proibisse a inserção.

Em entrevista à revista Oeste, Waleska contou que essa diretora não tomou nenhuma providência em relação à questão, restringindo-se a avisá-la acerca da insatisfação dos demais funcionários.

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A ameaça do novo diretor

Entretanto, a situação se alterou com a chegada de um novo diretor, que ameaçou destituí-la da função de confiança caso não parasse de compartilhar trechos das Escrituras.

A destituição do cargo resultaria numa diminuição salarial. Em outras palavras, significava infligir-lhe uma penalidade financeira por manifestar a sua fé.

Waleska tentou argumentar que sua conduta não era ilegal, tendo em vista uma decisão da Justiça Federal de São Paulo à época que havia reconhecido como lícita a presença de crucifixos em órgãos públicos.

O diretor se limitou a retorquir que o entendimento da Procuradoria Jurídica da universidade acerca do tema era divergente.

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Um aspecto fundamental a ser salientado é que não havia nenhuma norma que vedasse o comportamento de Waleska.

Contudo, como não cedeu à ameaça, começou a ser submetida a uma pressão constante: recebia ligações e documentos da Reitoria e da Procuradoria da instituição, em que era acusada de violar o princípio de laicidade estatal.

Diante de sua persistência em defender seu direito à liberdade de consciência, de crença e de expressão, um ano depois, o diretor cumpriu com a ameaça e a substituiu.

Agravamento do conflito

Na semana seguinte, Waleska protocolou denúncia de intolerância religiosa na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Ministério Público e na Procuradoria. Além disso, divulgou na imprensa o caso.

A partir daí, as autoridades universitárias começaram a persegui-la, instaurando três procedimentos administrativos (PAD) para puni-la.

No primeiro deles, a servidora foi acusada de ofender a honra e a imagem da universidade, por não ter mantido em sigilo o conflito com o diretor. Como punição, Waleska recebeu uma advertência.

No segundo e terceiro PADs, foi punida com 20 dias e 30 dias de suspensão, respectivamente.

Quando o servidor é suspenso, o salário pago se restringe ao período trabalhado. Assim, Waleska chegou a ficar um mês sem receber.

O último procedimento administrativo se estendeu por oito anos, sendo reiteradamente reiniciado devido a erros procedimentais. Em nenhum deles, Waleska teve seu direito à ampla defesa e ao contraditório observados.

Além disso, através das medidas, converteram-na em uma servidora pública infratora.

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Em fevereiro de 2012, decidiu procurar o jurista Ives Gandra, que a orientou a ajuizar uma ação contra a universidade.

A condenação

Na sentença, os magistrados concederam a Waleska o benefício da assistência jurídica, a anulação das sanções disciplinares aplicadas no processos administrativos e uma indenização por danos morais de R$ 50 mil.

De acordo com a decisão, Waleska sofreu intolerância religiosa e teve seu direito de liberdade de consciência, crença e expressão tolhidos.

“A laicidade estatal de modo algum proíbe o Estado, no exercício de suas atividades, fazer referência a crenças. Tal posicionamento contraria os próprios princípios e fins da instituição estatal.”

Na compreensão de um dos magistrados:

“[…] é estarrecedor, foge de qualquer senso de bom senso e razoabilidade, encontrar uma Universidade, instituição pública federal de ensino que deveria zelar pela tolerância e busca mesmo da diversidade de pensamentos para chegar ao conhecimento mais amplo e profundo em qualquer área de estudos, mas que acaba concentrando seus esforços acadêmicos num sentido diametralmente oposto […]”.

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Fonte: Revista Oeste


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