As controvérsias no entorno das 33 milhões de pessoas com fome no Brasil

Em 8 de junho deste ano, militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto invadiram o Shopping Iguatemi, na cidade de São Paulo. Os manifestantes justificaram o ato em virtude dos “33 milhões de brasileiros que passam fome”.

A afirmação provém de um levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Pensann), em parceria com seis entidades e ONGs de esquerda. O estudo tem sido criticado na internet.

Falta de clareza sobre a fome no Brasil

A primeira controvérsia começa na falta de clareza do que é fome. Os 33 milhões se referem ao que está definido no termo técnico “insegurança alimentar grave” na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, usada desde 2004 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e aplicada ao estudo.

No entanto, ao contrário da conotação usada pela Pensann, não é comum o IBGE usar a classificação de “insegurança alimentar grave” como sinônimo de fome, informou reportagem publicada no jornal Gazeta do Povo.

André Martins, gerente da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, definiu a fome como “situação em que pelo menos alguém ficou o dia inteiro sem comer um alimento”. Já a insegurança alimentar grave é uma restrição de acesso a alimentos “com uma redução da quantidade consumida para todos os moradores”. Em domicílios com insegurança alimentar grave, “pode ter ocorrido a fome”, afirmou Martins, em 2020, mas um não é sinônimo do outro.

No site da Pensann, há uma informação relacionada ao número: “Em 2022, são 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer”, informa a página. A expressão “sem ter o que comer” sugere privação total de alimentos, algo raro mesmo em situações de insegurança alimentar grave.

“Fora da realidade”

“É estranho dizer que 33 milhões de brasileiros passam fome”, disse Hugo Garbe, economista-chefe da G11 Finance e professor do curso de Economia e Finanças da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Não é condizente com a nossa realidade econômica. Hoje, temos reduzido cada vez mais o desemprego no Brasil, que, no auge da pandemia, chegou a 14 milhões. Hoje, são nove milhões.”

Garbe lembrou ainda do auxílio emergencial, pago quase ininterruptamente desde o início da pandemia e que contemplou quase 80 milhões de pessoas. “Nossa situação difere da de países como a Argentina e Venezuela, que passam por uma crise de maiores proporções”, observou. “Estão comparando nosso país à Venezuela.”

De acordo com o último Censo da População em Situação de Rua, realizado na capital paulista entre outubro e dezembro de 2021, a cidade de São Paulo tem hoje cerca de 32 mil moradores de rua. Um levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta que esse número pode ser 30% maior. Os dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua mostrou que, apenas na cidade de São Paulo, são 42.240 pessoas vivendo nas ruas. Em todo o país, mais de 180 mil pessoas moram na rua.

De acordo com o gerente de pesquisa do IBGE, a fome é definida como “situação em que pelo menos alguém ficou o dia inteiro sem comer um alimento”. É difícil pensar em pessoas que se encontrem em condição mais miserável e precária do que as que vivem nas ruas. Ainda que os dados da UFMG estejam subestimados, ainda que esse número seja multiplicado por dez, a conta chegaria a 1,8 milhão de pessoas vivendo nas ruas. Mesmo assim, é muito distante dos 33 milhões de pessoas “sem ter o que comer”, como mostra o estudo.

Sobre a metodologia da pesquisa, Garbe constatou não se tratar de um método científico. “Em um país como o Brasil, é praticamente impossível fazer uma pesquisa séria apenas com amostra em média simples”, afirmou. “Tem uma variável de erro. Esse estudo não seria tampouco aceito como artigo acadêmico em universidades.”

“Vejo viés de politização, sobretudo por parte da oposição do governo de tentar induzir as pessas a erro levando-as a crer que o governo Bolsonaro é o responsável pela ‘fome no Brasil’”, disse.

Os dados usados pela Pensann sobre a fome no Brasil são uma continuidade de estudos do IBGE feitos desde 2004 sobre a situação alimentar do brasileiro. A metodologia descrita na pesquisa foi semelhante à que o IBGE usou nas mais recentes edições da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios e da Pesquisa de Orçamentos.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo informaram não haver problema de os dados obtidos pelo Instituto Vox Populi, que aplicou o questionário em parceria com a Pensann, serem comparados com os do IBGE. O que tem claro viés político é a interpretação que a Pensann faz dos dados.

Entre outros pontos, o levantamento sustenta que o Brasil vive uma “onda deformadora do Estado, em curso desde 2016”, ano em que a ex-presidente Dilma Rousseff deixou o cargo depois de o Senado aprovar o impeachment da petista.

Além disso, o documento destaca que os pobres foram “deserdados por um Estado gerenciado sob a doutrina neoliberal e sob a obsessão pelo equilíbrio fiscal e controle de gastos”, além de serem vítimas do “desmonte de políticas públicas”.

O antropólogo Flávio Gordon, colunista da Revista Oeste, afirma que o documento tem viés político. “O relatório, coautorado por ONGs nitidamente de esquerda, como Oxfam Brasil e Actionaid, tenta culpar o atual governo pela fome, mas, curiosamente, não faz menção alguma às políticas restritivas durante a pandemia”, observou Gordon.

Entre outros pontos, o antropólogo ressalta que o lockdown foi reconhecido pela própria Organização Mundial da Saúde como um dos causadores da fome e da miséria no mundo. “O relatório é político-eleitoreiro do início ao fim, e foi concebido para servir de instrumento de propaganda antibolsonarista ao longo desses meses que nos separam da eleição”, disse.

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Fonte: Revista Oeste


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