Brics: da esperança à submissão

A expansão dos Brics para a inclusão de países díspares como Irã, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes e possivelmente a Argentina causou uma grande estranheza no Ocidente em relação a Lula. 

As escolhas para os novos membros do outrora seleto clube dos Brics deixaram de ser econômicas e foram trocadas por critérios ideológicos, de países cujos mandatários – sempre autoritários – não sofrem escrutínio popular e risco de afastamento do cargo a cada 4 anos. 

Os “novos Brics”, como já estão sendo chamados, são tudo, menos um clube de economias em ascensão com características em comum para atrair investimentos.

Os Brics hoje parecem um grêmio de países na órbita da China em sua guerra econômica – e acirramento militar – com os Estados Unidos e o Ocidente. Um país como a Indonésia, por exemplo, mantém boas relações tanto com a China quanto com os Estados Unidos, lembrou Oliver Stuenkel. Mas a escolha foi por uma bomba-relógio como o Irã, que forneceu drones para Putin invadir a Ucrânia, o que “faz com que o Brics seja visto como uma aliança antiocidental liderada por Pequim e Moscou”. Putin pode usar os novos Brics para demonstrar alguma força após uma enxurrada de sanções e tentativas de isolamento.

Também se questiona o que o Brasil teria a ganhar com a nova configuração. Se antes o Brasil, ideologias à parte, fazia parte de um grupo seleto com hiper poderosos como Rússia e China, hoje será mais um número em uma mesa com satélites chineses – inclusive países no mínimo pouco confiáveis, como Irã. Mesmo a China e a Rússia, que ajudam a formar o nome do bloco, podem ajudar economicamente, mas tornar-se uma dor de cabeça geopolítica com a Guerra na Ucrânia e uma tensão crescente no mar do sul da China, principalmente em Taiwan.

Um bloco ‘econômico’ sui generis

Na verdade, a crise existencial pela qual passam os países dos Brics remonta à própria ideia do grupo. 

Os Brics são um bloco sem uma perfeita clareza burocrática ou institucional. Na verdade, o acrônimo surgiu como um guia de investimentos, nomeado por Jim O’Neill, então presidente do Goldman Sachs, em 2001. Na publicação Building Better Global Economic BRICs, o economista mapeava os quatro países emergentes que mais renderiam proveitos financeiros na década de 2000 – Brasil, Rússia, Índia e China. Muita especulação foi feita em relação aos países árabes, se seriam também economias de alto retorno naquela década.

Mais de vinte anos depois, qual o sentido de se falar, por exemplo, em investir na Rússia, afogada no atoleiro militar na Ucrânia, e esperar rendimentos – um país expulso do sistema SWIFT, com empresas fugindo do país, e com o rublo tendo de se lastrear em yuan? O próprio conceito de Brics parece não fazer mais tanto sentido. Se é que faz algum.

Ou seja: aquilo que era para ser apenas um guia de investimentos virou acrônimo para a reunião, sob batuta chinesa, de todos os países que possam ser úteis para fazer contrapeso ao Ocidente no xadrez geopolítico. Um “bloco econômico” que é, na verdade, apenas obediente à política do mais forte do grupo – sem laços geográficos, históricos, culturais ou mesmo comerciais ou ideológicos mínimos. Jim O’Neill ele próprio afirmou que o bloco só conseguiu se oferecer fortalecer seu “simbolismo, superficialmente”. Que, como conteúdo, o que os Brics ofereceram foi “decepcionante”. 

As recentes manifestações de Lula contra o dólar, a tentativa de criação de uma “moeda única” (seja do Mercosul, aventada por Haddad, seja dos Brics, sugerida por Xi Jinping), as negociações entre Rússia e China diretamente em yuan, o estreitamento de relações entre Arábia Saudita e Emirados Árabes – dois estados que vêm se ocidentalizando – para a esfera de influência russo-chinesa – todas essas medidas diminuem o poder do Brasil no bloco, e transformam a própria ideia de Brics em uma mera sigla para o poderio russo-chinês. Jim O’Neill, aliás, chamou de “ridícula” a proposta de uma moeda única para os Brics: “Eles vão criar um Banco Central dos Brics?”

O que era para ser a delimitação de países que dariam rápido retorno econômico – por terem populações amplas e estarem construindo tardiamente suas economias capitalistas – foi rapidamente tratado como um bloco político. E qual seria a política a unificar Etiópia e Emirados Árabes, Irã e Brasil, Arábia Saudita e Argentina?

Na companhia de China, Rússia e Irã 

Uma pista foi dada por Udi Levi, ex-chefe do Comitê Especial para Combater o Financiamento do Terrorismo do Mossad. Residindo na Argentina, e tendo estudado os atentados contra a embaixada israelense em Buenos Aires, financiados pelo Irã, Levi se vê preocupado com o estreitamento dos laços iranianos na América do Sul.

Em entrevista ao Infobae, Levi lembrou que logo quando se pensou em transformar o acrônimo para designar investimentos em um bloco político, os Brics foram manobrados pela Rússia para seus interesses.

Enquanto a América e Israel faziam pressão para minar as atividades terroristas, países como a Rússia, Venezuela e Irã, capitaneados pela China, procuraram uma alternativa ao sistema bancário internacional SWIFT e ao dólar como moeda internacional. O Irã, sob uma chuva de sanções ocidentais, só não entrou em colapso com ajuda econômica chinesa, que financiou a ditadura para enfrentar com mão de ferro os protestos de ruas por conta de eleições fraudadas e abuso de poder pelo Estado policial desde pelo menos 2011, com novos protestos em 2019-20 e mais uma vez em 2022. 

Claro que há vantagens econômicas gigantescas em estar entre gigantes. O que se questiona é o ônus a ser arcado quando se faz negócios com países que financiam o terrorismo (incluindo o da al-Qaeda e Hezbollah), são o caixa 2 de ditaduras (incluindo-se Venezuela, Nicarágua e outros países que, ao contrário dos juristocratas, são reconhecidos como ditatoriais pelo Ocidente) e causam guerras imperialistas com seus vizinhos. 

Num cenário globalizado, sanções que deveriam recair apenas a países como Irã agora podem afetar o Brasil – ou a Argentina. Os Brics hoje se tornaram uma proposta fáustica com preço impagável.

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Fonte: Revista Oeste


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