MST reivindica curso de medicina exclusivo para assentados, e entidades repudiam iniciativa

SOROCABA – Depois de pressionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva com invasões de terra em uma tentativa de obter mais verbas e espaços no governo, o Movimento dos Sem-Terra (MST) reivindica a criação de um curso de medicina exclusivo para assentados da reforma agrária. A proposta foi explicitada em uma reunião entre representantes do grupo e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul.

No encontro, que ocorreu no dia 23 de junho, a universidade se mostrou favorável à proposta do movimento. Se criado, o curso será o primeiro no Brasil para a formação de médicos com esse perfil. A ideia é que funcione no âmbito do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), criado em 1998 e vinculado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Entidades médicas repudiaram a iniciativa pela ausência de parâmetros para garantir a qualidade na formação dos futuros médicos.

 

No primeiro semestre, o movimento, que é alvo de uma CPI na Câmara dos Deputados, emplacou simpatizantes em superintendências do Incra e em secretarias ministeriais. As universidades federais, como a UFPel, embora tenham autonomia administrativa, são mantidas financeiramente pelo governo da União.

Também participaram do encontro diretores da Faculdade de Medicina, Psicologia e Terapia Ocupacional (Famed), que será responsável pela turma de medicina para assentados. A reitora da UFPel, Isabela Andrade, disse que, por se tratar de um curso especial, não haverá interferência no número de vagas já oferecido para o curso regular de medicina da universidade. “Por parte da gestão central da Universidade, nós temos total interesse na implantação dessa turma especial. Será uma turma especial que vai acrescer novas vagas, não se tratando de uma turma regular”, disse.

O curso de medicina é um dos mais concorridos do Brasil tanto nas universidades públicas como nas instituições particulares. Em faculdades privadas, é também o mais caro. Para os assentados atendidos pelo Pronera, no entanto, o processo de seleção não tem as mesmas dificuldades que aquelas enfrentadas pelos candidatos que concorrem aos cursos regulares de medicina. A seleção é diferenciada e geralmente, além de prova simples de conhecimentos gerais, é exigida uma redação.

Em nota pública, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), que reúne mais de 15 mil profissionais, repudiou a possibilidade de criação do curso pela UFPel. “O Simers é contrário a qualquer processo de expansão de vagas sem parâmetros e pressupostos que garantam qualidade à formação. Da mesma forma, defendemos que o sistema de processo seletivo para instituições de ensino superior, contido na legislação vigente e considerado justo e legal, seja mantido e não sofra qualquer flexibilização para atender segmentos da sociedade, o que inevitavelmente se desdobrará com redução da qualidade na formação médica”, diz a nota.

Em nota à reportagem, o sindicato médico disse acreditar que o problema do acesso à saúde no Brasil não será resolvido com mais médicos, e sim com melhores condições de atuação da Medicina, com a criação de plano de carreira para atração e fixação de médicos junto ao setor público. Disse ainda que já existem mecanismos que flexibilizam o ingresso de estudantes às faculdades de medicina, assim como programas sociais para atenção à saúde em áreas de vulnerabilidade social.

Também em nota, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) se manifestou contrário à abertura do curso, invocando o artigo da Constituiçãoque estabelece a saúde como dever do Estado “sem segregar cidadãos em grupos de qualquer espécie”. Segundo a nota, a Estratégia de Saúde de Família (ESF) foi criada justamente para ampliar a resolutividade e impacto na situação de saúde das pessoas e coletividades. “Desta forma, o Cremers repudia toda e qualquer forma de criação de novas vagas sem critérios, que tenha como objetivo atender determinados segmentos da sociedade e desrespeita a legislação vigente quanto ao sistema de processo seletivo para instituições de ensino superior”, disse.

Já o Conselho Federal de Medicina(CFM), órgão nacional da classe médica, repudiou a iniciativa da UFPel e disse que a expansão de vagas sem parâmetros e pressupostos que garantam a qualidade da formação dos médicos é preocupante. “Há muitos anos, o CFM se posiciona contra a abertura de novos cursos de Medicina sem o preenchimento de mínimos critérios técnicos por entender que o País já dispõe de uma grande quantidade de faculdades.” Segundo o órgão, atualmente o Brasil tem 2,7 médicos por mil habitantes, tendo ultrapassado os Estados Unidos (2,6), Japão (2,7), Chile (2,2) e China (2).

O dirigente estadual do MST, Adelar Pretto, disse que a posição das entidades médicas é corporativista. “Não estamos tirando vaga de ninguém, pelo contrário, nós queremos ampliar as oportunidades de atender à necessidade de ter mais médicos pelo interior do país.” Segundo ele, essa é a finalidade do Pronera, criado para promover a educação e formação técnica e superior voltada para a realidade e as necessidades da reforma agrária. “Tem muitos municípios sem médicos que atendam pelo SUS nas comunidades mais periféricas. É para isso que estamos lutando”, disse.

 

A UFPel já mantém um curso de Medicina Veterinária em convênio com o Pronera para assentados da reforma agrária. Segundo a universidade gaúcha, o curso já formou 139 profissionais e tem duas turmas em andamento, cada uma com cerca de 50 alunos. Uma das turmas encerra o curso este ano. No Rio Grande do Sul, outros 266 estudantes fazem cursos superiores vinculados ao Pronera, entre eles 98 alunos de bacharelado em Agronomia, no campus Erechim da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).

O governo, através do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que tutela o Incra e o Pronera, defendeu o projeto da UFPel. Em julho, o ministro Paulo Teixeira divulgou uma carta reforçando a proposta do MST. “É necessário e fundamental reconhecer que ações como estas são instrumentos importantes para a redução de desigualdades e colaboram com a implementação de políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade de vida das pessoas, especialmente aquelas que estão distantes dos serviços públicos”, disse o ministro.

 

O Incra informou que, até o momento, não recebeu nenhum projeto de curso de medicina de universidades. “Se, e quando receber, avaliará de acordo com os critérios e exigências do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).” Segundo o órgão, atualmente, o programa mantém 19 cursos superiores envolvendo em todo o País, envolvendo 2.054 estudantes, nas áreas de educação, medicina veterinária, ciências agrárias, zootecnia, agronomia, enfermagem, história e educação de jovens e adultos.

Estadão

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Fonte: TBN


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