Mercado Halal com um toque brasileiro

Por Gabriela Pache (*)

Há 305 anos, o diplomata francês François de Callières lançava o livro Da Maneira de Negociar com os Príncipes e defendia, já nessa época, que a arte da negociação visa harmonizar os reais interesses das partes envolvidas. Precursor do chamado capitalismo consciente, podemos dizer que ele está mais na moda do que nunca, pois os comércios estão exigindo cada vez mais um olhar atento em relação às culturas de modo geral. Fazer negócios se transformou numa prática que vai além do contato frio da venda. Fazer negócios é socializar, é estreitar amizade, entender de etiqueta, ter paciência, respeitar protocolo e absorver uma longa lista de detalhes culturais. A regra básica número um para abordar o mercado externo passa por tudo isso, visto que o principal aprendizado está em decodificar e conseguir escalonar as diferenças culturais dos povos com que se quer negociar.

Nos últimos anos, o comércio internacional vem apresentando diversas transformações. Entre elas, o enorme fluxo comercial entre os diferentes países e blocos econômicos, o que exige dos exportadores um estudo diferenciado sobre o comércio internacional porque cada vez mais são explorados mercados desconhecidos e com particularidades distintas. Nesse contexto, os produtos Halal (mercadorias julgadas consumíveis pelos muçulmanos e pela jurisprudência islâmica) estão emergindo como uma das áreas mais lucrativas e influentes no mundo.

De acordo com dados e pesquisas da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, são 1,8 bilhão de muçulmanos economicamente ativos no mundo, uma economia que cresce mais rápido que a média mundial: 6,2% nos países islâmicos contra 5,7% dos demais países. Se fosse um país, o mundo islâmico seria a terceira economia mundial, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. E o Brasil tem grande potencial para atender o mercado voltado aos muçulmanos para além da carne bovina e de frango (carro-chefe atualmente), oferecendo produtos de valor agregado dos setores de cosméticos, fármacos, alimentos, moda e até no turismo Halal. Uma amostra recente é a cidade de Foz do Iguaçu, que está para se tornar a primeira cidade turística da América Latina com atrativos Halal. Os primeiros passos para o processo de certificação já foram dados por meio de um trabalho conjunto entre a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira e o governo do Paraná.

Isso tudo demonstra o quanto a nossa capacidade de crescimento é enorme, haja vista inclusive, que muitos não sabem sequer o significado desse conceito que começa a ganhar enorme forma no cenário internacional. Assim como para a cultura judaica, para os muçulmanos a cultura, a religião e os hábitos alimentares também caminham juntos. Os alimentos denominados Halal devem ser produzidos de acordo com determinadas regras ligadas à orientação cultural e religiosa do islamismo, e embasadas no livro sagrado Alcorão. Mais que preceitos religiosos, a certificação Halal é garantia de qualidade de processos e de alimentos confiáveis, o que abre portas para novos negócios.

Halal significa lícito é o mesmo que permitido, autorizado (permitido ao consumo humano, legal). Alimentos Halal são aqueles cujo consumo é permitido por Deus. No Alcorão, Deus ordena aos muçulmanos e a toda a humanidade a comer apenas alimentos Halal. Essa também é a base de tudo que é lícito: na política, no social, nos atos praticados (conduta), na justiça, nas vestimentas, nas finanças, etc., é o resultado de um sistema de produção que busca criar mecanismos que contribuam com a saúde humana, criando equilíbrio sustentável em todo seu processo.

E como fica a economia em meio a essa diretriz? Foquemos na produção de proteínas brasileiras como exemplo. A produção de carne de frango no Brasil em 2021 deverá alcançar 14,5 milhões de toneladas, das quais 4,35 milhões serão exportadas, aponta a Associação Brasileira de Proteína Animal. Os números, se confirmados, representam recordes históricos e, em boa medida, podem ser atribuídos ao crescimento da demanda por carne Halal, que já responde por 40% de toda a carne embarcada. Portanto, está claro que o nosso país já ocupa um lugar no topo deste mercado. Mas a grande questão é que a indústria brasileira, com sua criatividade, potencial e qualidade, pode exportar uma infinidade de produtos não só alimentícios. Há um nicho enorme e ainda vazio à espera de consumidores ávidos do outro lado do hemisfério.

Vale ressaltar que o setor vem crescendo ano a ano não só pela demanda dos países árabes mas também por conta das comunidades muçulmanas espalhadas por todo o mundo. Claro que o Oriente Médio é muito relevante, bem como o norte da África. Mas China e União Europeia tem aumentado bastante sua participação nessa fração. E quando falamos de produtos que atendam consumidores islâmicos temos que considerar a necessidade da presença do selo Halal estampado nas embalagens. Ele atesta que um determinado produto está em conformidade com as exigências de órgãos internacionais e Jurisprudência Islâmica.

Dessa maneira, o selo assegura que toda a linha de produção da fabricante foi inspecionada por uma certificadora autorizada pelos mais variados órgãos internacionais e que seu produto está apto para ser comercializado para inúmeros países e, consequentemente, permitido para o consumo.

Estamos falando de uma categoria que já movimenta US$ 4,88 trilhões nos setores de alimentos, vestuário, cosméticos, medicamentos, entretenimento, turismo e serviços financeiros e deve crescer 18% nos próximos dois anos, alcançando receita da ordem de US$ 5,74 trilhões. Isto se deve em parte às mudanças na população, ao aumento da renda disponível e a crescente penetração na internet da chamada “Cultural Halal”. Também é relevante citar a integração e aceitação desses produtos entre a população como um todo e o fortalecimento da infraestrutura do segmento. O momento é nosso.

Gabriela Pache é sócia-proprietária da 067 Vinhos e CEO da Pantanal Trading


Fonte: Revista Oeste


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