‘Até água que bebo é escolhida por eles’: saiba como é morar em área dominada pela milícia

“O transporte público sendo queimado é só a ponta de um problema gigantesco que a gente vive na zona oeste”, diz um morador* que vive em bairro da zona oeste do Rio de Janeiro dominado pela maior milícia do estado. “Até a água que a gente bebe é determinada, às vezes, pela milícia.”

No fim de outubro, veículos foram queimados em reação à morte de Matheus da Silva Rezende, o Faustão, ligado à milícia e que foi morto pela polícia. Veja como estes grupos organizados funcionam.

No dia a dia, ele conta que paga mais caro por itens como galões de água e botijão de gás, além de não poder escolher serviços de internet ou de TV a cabo, sendo obrigado a contratar aqueles que são controlados pelas milícias.

“Eu posso comprar no raio da minha casa por um valor. Se eu trabalho em outro bairro mais distante, e lá for mais barato, eu não posso levar para onde eu moro por risco de sofrer alguma violência. Eles impactam muito o ir e vir das pessoas. É muito complicado, complicado até de falar. É um silêncio que parece calma, mas é medo”, afirma.

A tensão nos territórios controlados por esses grupos é constante. Há uma guerra sangrenta em curso na zona oeste depois que o Ecko, como era conhecido Wellington da Silva Braga, líder da Liga da Justiça, então a maior milícia do Rio, foi morto em 2021 em uma ação da Polícia Civil.

O processo de sucessão desencadeou uma verdadeira guerra entre seu irmão Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, e Danilo Dias Lima, o Tandera.

“Enquanto a gente está falando, a polícia está passando. É tensão que não cessa. Mandam o comércio fechar. Os comerciantes, além de pagar sobretaxa, sofrem violências, e esse tensionamento agora interfere na vida econômica das famílias. Quem tem comércio, quem vende um lanche, quem tem sorveteria, uma coisa pequena, fecha. Bem cruel a nossa vida nesse cenário”, diz o morador.

Existe uma taxa mensal que os moradores precisam pagar para a mílicia, para que seja feita a segurança local. Mas a apreensão permanece.

“A gente não sabe que segurança que é, na verdade. É o inverso disso. Pagam uma taxa para não sofrer uma violência de quem lhes cobra”, afirma.

As áreas dominadas por grupos milicianos na Grande Rio aumentaram 387,3% entre 2006 e 2021, diz estudo do Instituto Fogo Cruzado em parceria com o Geni/UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), sendo que eles atuam em 10% de toda a região metropolitana.

Na zona oeste carioca, onde ônibus foram queimados, o número de tiroteios aumentou 55% até meados de outubro deste ano antes 2022, e o de chacinas saltou de 4 para 14, um aumento de 250%.

Sabe-se que tais controles são exercidos de maneira arbitrária, por meio de ações coercitivas como espancamentos, tortura e homicídios. Sabe-se ainda que as milícias se envolvem em disputas territoriais violentas – entre si e com “comandos” do tráfico de drogas – e que em diversas áreas elas também lucram com a venda de drogas.” Relatório “A expansão das milícias no Rio de Janeiro: uso da força estatal, mercado imobiliário e grupos armados”

“Houve um racha na milícia. Esse conflito é grande e afeta a vida de milhões de pessoas há meses” Cecília Olliveira, diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado

Há uma escalada de assassinatos desses líderes e parece que temos uma ação antimilícia em curso. Só que esta é uma lógica muito parecida com as ações antitráfico que vemos” Cecília Olliveira

*O morador, entrevistado pela Agência Brasil, não foi identificado por questão de segurança.

UOL

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Fonte: TBN


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