Veja 5 motivos para Lula se preocupar com a vitória de Milei na Argentina

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem motivos para se preocupar com a vitória do candidato libertário Javier Milei nas eleições argentinas deste domingo (19). Uma série de razões podem afetar profundamente a relação entre o Brasil e a Argentina, além de induzir nova dinâmica política e econômica para a América do Sul.

A virada observada na votação deste domingo assusta o Planalto também pelo risco de ela enfraquecer a influência da esquerda no continente e da liderança regional brasileira e perante o cenário global.

Antes do primeiro turno, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), já havia relatado que estava preocupado com uma eventual vitória de Milei, agora concretizada. Para ele, o novo presidente argentino vai “ideologizar as relações internacionais”, citando a postura crítica de Milei em relação ao governo de Lula.

Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, os temores da esquerda brasileira, sobretudo do governo, vão além disso. Veja quais são os motivos.

Conhecido pela postura crítica em relação a acordos de comércio regional e multilateral, Javier Milei pode levar à revisão de compromissos da Argentina com o Mercosul, privilegiando a busca de acordos comerciais individuais. Assim, uma nova orientação para a segunda maior economia do bloco poderia enfraquecê-lo e colocar sua continuidade em risco. Sobre a relação com o Mercosul, a quem chama de “união aduaneira imperfeita”, Milei avisou, durante campanha, que a Argentina “seguiria seu próprio caminho”, caso fosse eleito. O Brasil exerce a presidência rotativa do bloco em meio a tensões abertas com o governo uruguaio, de centro-direita, que pede flexibilização.

Lula tentou, desde o começo de seu mandato, buscar caminhos para ajudar a Argentina a deixar a sua profunda crise econômica, propondo parceria estratégica entre os dois países e atuando junto a outros países e órgãos multilaterais para buscar fontes de financiamento e renegociar dívidas. A vitória de Milei pode encerrar de vez esses esforços. Lula tem relação pessoal de amizade com o atual presidente argentino, Alberto Fernández, que chegou a visitá-lo na prisão logo após ser eleito em 2019.

O Planalto foi duramente criticado pela oposição brasileira e pelo próprio candidato libertário por suas tentativas de, segundo eles, interferir no processo eleitoral argentino. As ações incluem apoiar a entrada da Argentina no Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; acenar com empréstimos do BNDES; apelar ao Fundo Monetário Internacional (FMI) por novo tratamento ao país vizinho; firmar operações financeiras, incluindo acordo de US$ 600 milhões; e um empréstimo de US$ 1 bilhão junto ao Banco de Desenvolvimento para a América Latina.

A Argentina procurou assistência do Brasil para lidar com desafios relacionados ao financiamento de importações. No entanto, as negociações não progrediram. Haddad reconheceu que o governo elaborou quatro propostas diferentes, todas destinadas a oferecer garantias que possibilitariam ao Brasil financiar as importações da Argentina. No entanto, nenhuma dessas propostas avançou devido à incapacidade ou falta de capacidade do governo argentino em atender às exigências estipuladas.

Marqueteiros e estrategistas ligados ao PT participaram da campanha do candidato governista Sergio Massa, atual ministro da economia, com quem Haddad tem buscado costurar formas de socorrer o país vizinho.

A vitória de um candidato libertário na Argentina envia um sinal claro de derrota para a esquerda sul-americana, o que anima políticos de direita no Brasil e em outros países. Um grupo de 69 deputados de oposição a Lula assinaram uma carta pública de apoio a Milei nas eleições, destacando que o libertário representa a “esperança de mudança e renovação para o povo argentino e para a América Latina”.

A maioria dos países da América do Sul segue dominada por governos esquerdistas, mas já iniciou uma inflexão à centro-direita e direta após as vitórias de Santiago Penã (Paraguai), de Luis Lacalle Pou (Uruguai) e, mais recentemente, de Daniel Noboa (Equador).

A vitória de Milei representa um duro golpe para a esquerda na América do Sul, que tem como o retrato mais trágico a Venezuela e que retomou nos últimos anos a liderança de países como Argentina, Brasil e Chile. A guinada à direita na Casa Rosada poderia enfraquecer a influência regional e global desse bloco de países, prejudicando a agenda política do PT.

Famoso por suas políticas econômicas radicalmente liberais, em contraste com a abordagem estatizante dos atuais governos argentino e brasileiro, Milei deve implementar um novo e contrastante modelo na América do Sul. Se colocar em prática suas promessas de campanha, ele pode construir um contraponto significativo de iniciativas em favor da livre iniciativa e da retirada da presença do governo em vários setores da economia e da vida da população, estimulando debates e comparações com soluções apresentadas historicamente pelo PT.

A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás só da China e dos Estados Unidos. A vitória de Milei pode afetar o comércio entre os dois países em tese, embora o candidato tenha dito que não interferirá nas iniciativas de cada importador ou exportador.

Chamado de “Bolsonaro argentino”, ele afirmou durante a campanha que pretendia limitar iniciativas de governo para promover o comércio com o Brasil, classificando Lula de “comunista raivoso” e “socialista com vocação totalitária”.

A esquerda na América do Sul historicamente defende uma profunda integração regional nos planos político e econômico, incluindo a criação de uma moeda comum para seus países, semelhante ao euro. A vitória de Milei, que se opõe abertamente aos projetos nessa direção, pode significar o fim desse sonho dos governos esquerdistas e retardar algumas ações em curso em favor da cooperação multilateral. Além da aversão ao Brics e ao Mercosul, o libertário também pode sepultar as iniciativas de Lula para retomar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), organismos regionais criados durante governos petistas e com viés de esquerda.

Leandro Gabiati, diretor da Dominium Consultoria, vê a corrida presidencial argentina como ruptura da tradição bipartidária de 40 anos. “A emergência de uma terceira força, distinta da centro-esquerda peronista e da centro-direita tradicional, reflete o colapso do sistema político incapaz de enfrentar as crises. O candidato libertário é um exemplo notável desse cenário”, avaliou. Até as 21h de domingo, Milei estava com 55% dos votos.

Além disso, a governabilidade de Milei dependerá dos humores do Congresso, já que a coalizão dele, Libertad Avanza, não obteve maioria no parlamento. O grupo do rival derrotado, Sergio Massa, elegeu o maior número de deputados (108), mas também não conseguiu maioria (ao menos 129 deputados). Contudo, se a aliança com o grupo do ex-presidente Mauricio Macri (Juntos por el Cambio) for firmada na Câmara, Milei pode alcançar uma maioria simples.

“A capacidade dele de implementar qualquer uma das suas agendas polêmicas, como a dolarização e as reformas dos modelos públicos de saúde e educação, depende da aprovação de larga maioria parlamentar, por envolver questões de natureza constitucional”, avalia a Natália Fingermann, professora de relações internacionais do Ibmec-SP,

A professora prevê a necessidade de Milei moderar posturas para não sofrer críticas da população caso as suas propostas sejam barradas dentro de um quadro social desafiador, com inflação mensal na casa de dois dígitos, rumo à uma terceira hiperinflação, após as das décadas de 1980 e 1990. A decisão de sair do Mercosul, por exemplo, já sofreu alguma inflexão, pois grande parte do empresariado argentino se beneficia desse ambiente comercial.

Para o consultor de empresas e palestrante Ismar Becker, Milei é “uma das poucas novidades na política na América do Sul”. Segundo ele, o economista e político argentino chama a atenção não só por sua cabeleira despenteada, mas pela capacidade única de explicar como a macroeconomia afeta o dia a dia das pessoas, sobretudo quando a Argentina “afunda cada vez mais e clama por soluções corajosas para tirá-la da permanente crise”.

Gazeta do Povo

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Fonte: TBN


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